possa imaginar – existem pessoas que pura e simplesmente não conseguem gostar de
ninguém. Esperem lá, não é que não queiram – querem! – mas quando gostam – e podem
gostar muito – há sempre qualquer coisa que os impede. Ou porque a estrada está cortada
para obras de pavimentação. Ou porque sofremos de diabetes e não podemos abusar dos
açucares. Ou porque sim e não falamos mais nisto. Há muita gente que não pode comer
crustáceos, verdade? E porquê? Não faço ideia, mas o médico diz que não podemos
porque nascemos assim e nós, resignados, ao aproximar-se o empregado de mesa com
meio quilo de gambas que faz favor, vamos dizendo: “Nem pensar, leve isso daqui que me
irrita a pele”. Ora, por vezes, o simples facto de gostarmos de alguém pode provocar-nos
uma alergia semelhante. E nós, sabendo-o, mandamos para trás quando estávamos
mortinhos por ir em frente. Não vamos.. E muitas das vezes, sabendo deste nosso
problema, escolhemos para nós aquilo que sabemos que, invariavelmente, iremos recusar.
Daí existirem aquelas pessoas que insistem em afirmar que só se apaixonam pelas
pessoas erradas. Mentira. Pensar dessa forma é que é errado, porque o certo é perceber
que se nós escolhemos aquela pessoa foi porque já sabíamos que não íamos a lado
nenhum e que – aqui entre nós – é até um alívio não dar em nada porque ia ser uma
chatice e estava-se mesmo a ver que ia dar nisto. E deu. Do mesmo modo que no final de
10 anos de relacionamento, ou cinco, ou três, há o hábito generalizado de dizermos que
aquela pessoa com quem nós nos casámos já não é a mesma pessoa, quando por mais
que nos custe, é igualzinha. O que mudou – e o professor Júlio Machado Vaz que se cuide
– foram as expectativas que nós criamos em relação a ela. Impressionados? Pois bem, se
me permitem, vou arregaçar as mangas. O que é díficil – dizem – é saber quando gostam
de nós. E, quando afirmam isto, bebo logo dois dry martinis para a tosse. Saber quando
gostam de nós? Mas com mil raios, isso é o mais fácil porque quando se gosta de alguém
não há desculpas nem “ ai que amanhã não dá porque tenho muito trabalho”, nem “ ai que
hoje era bom mas tenho outra coisa combinada” nem “ ai que não vi a tua chamada não
atendida”. Quando se gosta de alguém – mas a sério, que é disto que falamos – não há
nada mais importante do que essa outra pessoa. E sendo assim, não há sms que não se
receba porque possivelmente não vimos, porque se calhar estava a passar num sítio sem
rede, porque a minha amiga não me deu o recado, porque não percebi que querias estar
comigo, porque recebi as flores mas pensava não serem para mim, porque não estava em
casa quando tocaste. Quando se gosta de alguém temos sempre rede, nunca falha a
bateria, nunca nada nos impede de nos vermos e nem de nos encontrarmos no meio de
uma multidão de gente. Quando se gosta de alguém não respondemos a uma mensagem
só no final do dia, não temos acidentes de carro, nem nunca os nossos pais se sentiram
mal a ponto de nos impossibilitarem o nosso encontro. Quando se gosta de alguém,
ouvimos sempre o telefone, a campainha da porta, lemos sempre a mensagem que nos
deixaram no vidro embaciado do carro desse Inverno rigoroso. Quando se gosta de alguém
– e estou a escrever para os que gostam - vamos para o local do acidente com a carta
amigável, vamos ter com ela ao corredor do hospital ver como estão os pais, chamamos
os bombeiros para abrirem a porta, mas nada, nada nos impede de estar juntos, porque
nada nem ninguém é mais importante, do que nós.'
Fernando Alvim
(*)
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