19/08/12



'Esta coisa de gostar de alguém não é para todos e, por vezes – em mais casos do que se 

possa imaginar – existem pessoas que pura e simplesmente não conseguem gostar de 

ninguém. Esperem lá, não é que não queiram – querem! – mas quando gostam – e podem 

gostar muito – há sempre qualquer coisa que os impede. Ou porque a estrada está cortada 

para obras de pavimentação. Ou porque sofremos de diabetes e não podemos abusar dos 

açucares. Ou porque sim e não falamos mais nisto. Há muita gente que não pode comer 

crustáceos, verdade? E porquê? Não faço ideia, mas o médico diz que não podemos 

porque nascemos assim e nós, resignados, ao aproximar-se o empregado de mesa com 

meio quilo de gambas que faz favor, vamos dizendo: “Nem pensar, leve isso daqui que me 

irrita a pele”. Ora, por vezes, o simples facto de gostarmos de alguém pode provocar-nos 

uma alergia semelhante. E nós, sabendo-o, mandamos para trás quando estávamos 

mortinhos por ir em frente. Não vamos.. E muitas das vezes, sabendo deste nosso 

problema, escolhemos para nós aquilo que sabemos que, invariavelmente, iremos recusar. 

Daí existirem aquelas pessoas que insistem em afirmar que só se apaixonam pelas 

pessoas erradas. Mentira. Pensar dessa forma é que é errado, porque o certo é perceber 

que se nós escolhemos aquela pessoa foi porque já sabíamos que não íamos a lado 

nenhum e que – aqui entre nós – é até um alívio não dar em nada porque ia ser uma 

chatice e estava-se mesmo a ver que ia dar nisto. E deu. Do mesmo modo que no final de 

10 anos de relacionamento, ou cinco, ou três, há o hábito generalizado de dizermos que 

aquela pessoa com quem nós nos casámos já não é a mesma pessoa, quando por mais 

que nos custe, é igualzinha. O que mudou – e o professor Júlio Machado Vaz que se cuide 

– foram as expectativas que nós criamos em relação a ela. Impressionados? Pois bem, se 

me permitem, vou arregaçar as mangas. O que é díficil – dizem – é saber quando gostam 

de nós. E, quando afirmam isto, bebo logo dois dry martinis para a tosse. Saber quando 

gostam de nós? Mas com mil raios, isso é o mais fácil porque quando se gosta de alguém 

não há desculpas nem “ ai que amanhã não dá porque tenho muito trabalho”, nem “ ai que 

hoje era bom mas tenho outra coisa combinada” nem “ ai que não vi a tua chamada não 

atendida”. Quando se gosta de alguém – mas a sério, que é disto que falamos – não há 

nada mais importante do que essa outra pessoa. E sendo assim, não há sms que não se 

receba porque possivelmente não vimos, porque se calhar estava a passar num sítio sem 

rede, porque a minha amiga não me deu o recado, porque não percebi que querias estar 

comigo, porque recebi as flores mas pensava não serem para mim, porque não estava em 

casa quando tocaste. Quando se gosta de alguém temos sempre rede, nunca falha a 

bateria, nunca nada nos impede de nos vermos e nem de nos encontrarmos no meio de 

uma multidão de gente. Quando se gosta de alguém não respondemos a uma mensagem 

só no final do dia, não temos acidentes de carro, nem nunca os nossos pais se sentiram 

mal a ponto de nos impossibilitarem o nosso encontro. Quando se gosta de alguém, 

ouvimos sempre o telefone, a campainha da porta, lemos sempre a mensagem que nos 

deixaram no vidro embaciado do carro desse Inverno rigoroso. Quando se gosta de alguém 

– e estou a escrever para os que gostam - vamos para o local do acidente com a carta 

amigável, vamos ter com ela ao corredor do hospital ver como estão os pais, chamamos 

os bombeiros para abrirem a porta, mas nada, nada nos impede de estar juntos, porque 

nada nem ninguém é mais importante, do que nós.' 

Fernando Alvim

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