05/08/10

Saudades e/ou Nostalgia?

Hoje vou escrever sobre a saudade. Esse sentimento tão conhecido dos portugueses.
Portugueses, madeirenses, açorianos, transmontanos,algarvios. O que é isto?

Eu sei bem o que isso é. Sou madeirense. Nasci e cresci na Madeira. Foi lá que dei os primeiros passos, disse as primeiras palavras, conheci os primeiros amigos e fui feliz pela primeira vez.

As férias no Porto Santo. O pisar a areia pela primeira vez todos os anos. A sensação nos pés da areia quente e fina. Era igual todos os anos, mas fazia-me sempre sorrir.
As lambecas. Aqueles gelados maravilhosos que se derretiam na minha boca e me faziam sentir em casa. A sensação de calor no corpo à noite, depois de um dia de praia. Os olhos brilhantes e a pele morena que revelavam a inocência e alegria de estarmos lá, naquele momento.
Os primeiros corações partidos e as primeiras vezes em que pensávamos aguentar uma quantidade absurda de álcool, nos nossos pequenos corpos.

O começar do ano lectivo. A ida à papelaria ABC comprar os cadernos e afins. Tudo novinho em folha. A chegada do Outono. A partida do Verão. Adorava o primeiro dia de aulas. Adorava os ciclos.

O Natal. O Natal verdadeiramente verde e vermelho ponteado de luzinhas douradas. A agitação para ter tudo pronto para os amigos e família. A felicidade das pessoas por se juntarem à volta de uma mesa. Os primos. Os miúdos que brincavam pela casa à "meia rota". Um jogo em que supostamente ninguém nos podia ver, mas em que toda a gente nos via.

Os fins de semana. A Avó a acordar-me e a dizer: "A Avó fez croissants quentinhos". Pulava da cama como se não houvesse amanhã. A sensação de felicidade não dá para descrever.

Os amigos. Quando o mundo era nosso e fazíamos planos de fuga. Reuníamo-nos como se ninguém soubesse onde estávamos e falávamos do alto da nossa maturidade sobre o mundo e sobre o que queríamos da vida. Queríamos ser grandes, vir para Lisboa e irmos à casa uns dos outros. Queríamos ser livres. A vontade de ter liberdade era tão grande que ocupava grande parte dos nossos dias iguais.

O Liceu. Os professores que jamais nos compreendiam. Os esconderijos onde podíamos fumar.
Aquela bolsinha onde eu guardava religiosamente os cigarros, o perfume, as pastilhas elásticos e o isqueiro. Sempre, sempre pensando que ninguém via nada. Mas a verdade é que, toda a gente via tudo.

O café do teatro. As tardes inúteis passadas sentados naquele café no centro da cidade. Nem sei como falar sobre isso.

As noites. Lembro-me demasiado bem do entusiasmo de escolher a roupa para sair. Sair significava liberdade. Recordo-me com especial carinho daquelas noites (isto já mais no fim da adolescência) em que saía de mochila às costas (alguns dizem que com uma garrafa de whisky lá dentro) apanhava o autocarro e ía ter à Pena com o João. Íamos para o Funchal, para o Jardim Municipal e ficávamos com o resto do "pessoal" sem planos. Sem mas nem porquês. Apenas ficávamos. E queixávamo-nos. Do tédio, do ser sempre igual.

E agora? Agora as coisas são melhores. Tenho mais independência, mais liberdade, continuo a ter bons amigos, bons momentos, boas gargalhadas e uma boa dose de inocência.

Mas, olhando para trás (esta porra desta mania da nostalgia, perdoem-me), eu era feliz. Eu tenho saudades sim. Tenho saudades de não sentir peso. Dos dias servirem apenas para os vivermos.
Quando não tínhamos carta, nem carro nem idade para beber. Quando os nossos pais nos vinham buscar às 4h da manhã e nos obrigavam a ir ao almoços de família no dia seguinte.

Sim, eu sei que o tempo não pára. O tempo nunca pára. E eu gosto que ele nunca pare. Mas a saudade deixa-me triste. Dá-me um aperto (físico) no peito. Não porque queria que tudo fosse como antes. Pelo contrário. Mas sim porque mesmo que quisesse ou pudesse, as coisas nunca poderiam voltar a ser como eram... Essa é a razão pela qual o recordar me deixa inquieta. Porque me sinto impotente e porque não consigo aceitar que o tempo que lá vai, já foi.

Lamento, mas por vezes tenho mesmo saudades e por vezes não quero mesmo crescer.

Aproveito também para te recordar André. Tu fizeste parte de muitas destas coisas. Mais longe ou mais perto e partiste muito cedo. Partiste quando estas memórias eram ainda muito frescas. Não sei se sentes saudades, ou se sequer é possível sentires, mas eu sinto. Eu sinto saudades tuas e da tua gargalhada. Do teu olhar engatatão. Da tua inteligência e da tua visão. De como eras diferente dos outros rapazes. Espero que onde queres que estejas, estejas orgulhoso dos teus amigos. Sim, cada um seguiu o seu rumo, mas se eles forem como eu, nunca esquecem.

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